sábado, 28 de agosto de 2010

A banalização do montanhismo e seus novos desafios

Hoje em dia é lugar comum dizer que o montanhismo não é mais o mesmo misto de esporte e exploração que era antigamente. Quando Hillary e Norgay chegaram ao cume do Everest, não existia a tecnologia e a facilidade que existe hoje em dia. Os chamados “puristas” reclamam que houve uma banalização do esporte com as expedições comerciais e que já não existem os desafios de antigamente, já que os principais cumes do mundo já foram conquistados. Além disso, culpam as expedições comerciais por uma crescente falta de ética no esporte.

Atualmente, qualquer um com um bom preparo físico e US$ 60,000.00 pode pagar a empresas para que o levem até o cume do Everest, ou valores menores para outras montanhas mais baixas. A Adventure Consultants, cujos vários clientes e guias morreram na tragédia do Everest em 1996 – entre eles o seu criador e grande montanhista Rob Hall –, colocou nessa última temporada (2010) 12 pessoas no cume do Everest, entre sherpas (carregadores), guias e clientes (4). Em 2006 essa empresa guiou a primeira brasileira a chegar ao topo do mundo, Ana Elisa Boscarioli. O sirdar (líder dos carregadores sherpas) Ange Dorjee Sherpa chegou ao cume pela 15ª vez!

O recorde de 20 ascenções ao cume do Everest é do nepalês Apa Sherpa, e o mais jovem alpinista a escalar a montanha foi Jorge Romero, filho de 13 anos do atleta de corrida de aventura Paul Romero, pelo lado norte chinês (na verdade tibetano), que não tem restrição de idade. Pelo Nepal a idade mínima é de 16 anos.

Outras empresas também atingem bons níveis. A Mountain Madness, cujos alguns clientes e guias também morreram na tragédia do Everest em 1996, entre eles o seu fundador e exímio montanhista Scott Fischer, também já colocou 40 clientes no teto do mundo, desde 1994. O American Alpine Institute leva anualmente 3 guias e 9 clientes para a montanha, além dos seus sherpas. Em 2006 o preço foi de US$ 55,000.00 e em 2010 foi US$ 63,000.00. Isso fora as passagens até Katmandu (Nepal) e os equipamentos individuais. Outras empresas menos famosas, como a Asian Trekking, que organizou a expedição que incluiu os brasileiros Victor Negrete e Rodrigo Raineri, que resultou na morte de Victor em 2006, também levam pessoas com pouca experiência e muita grana para os maiores picos do mundo.

Todas estas empresas também têm programas para levar montanhistas aos 7 Cumes, ou seja, os cumes mais altos dos 7 continentes:

Everest (8.850 m), Nepal/Tibet (China), Ásia



Aconcágua (6.962 m), Argentina, América do Sul



Kilimanjaro (5.895 m), Tanzânia/Quênia, África



Elbrus (5.633 m), Rússia, Europa



Pirâmide Carstenz (4.884 m), Indonésia, Oceania (continente Australasiano);



McKinley, também conhecido como Denali, (6.194 m), EUA (Alaska), América do Norte



Maciço Vinson (4.897 m), Antártica.



Além destas principais montanhas, diversas empresas de turismo e escolas de montanhismo levam às mais destacadas montanhas do mundo, nos Andes, Himalaia, Alpes Europeus, EUA e aonde mais o cliente quiser ir e puder pagar. Assim, não é mais preciso ser um expedicionário aventureiro nato que organiza suas próprias expedições com as dificuldades logísticas inerentes. Basta ter o dinheiro no bolso e contratar guias experientes que já sabem os caminhos de cor.

Assim, os críticos do montanhismo comercial dizem que o montanhismo perdeu seu romantismo ao virar um negócio de milhares de dólares.

Considerado o maior montanhista de todos os tempos, Reinhold Messner foi o primeiro a escalar o Everest sozinho sem a ajuda de carregadores sherpas e oxigênio suplementar. Também foi o primeiro a escalar os 7 cumes e todas as 14 montanhas com mais de 8.000 m, as chamadas “eight-thousanders”. Todas sem ajuda de proteções fixas (dispositivos de segurança que são deixados na montanha) e sem o uso de oxigênio suplementar.

Até hoje somente 22 pessoas conseguiram escalar as 14 oito-mil, e somente 10 conseguiram fazê-lo sem oxigênio suplementar.

As 14 montanhas com mais de 8.000 m, além do Everest, são:

K2 8611 m (Paquistão/China)



Kangchenjunga 8586 m (Nepal/India)



Lhotse 8516 m (Nepal/China)



Makalu 8485 m (Nepal/China)



Cho Oyu 8201 m (Nepal/China)



Dhaulagiri I 8167 m (Nepal)



Manaslu 8163 m (Nepal)



Nanga Parbat 8126 m (Paquistão)



Annapurna I 8091 m (Nepal)



Gasherbrum I (Hidden Peak) 8080 m (Paquistão/China)



Broad Peak 8051 m (Paquistão/China)



Gasherbrum II 8034 m (Paquistão/China)



Shishapangma 8027 m China



Messner, grande criador do conceito de escaladores puristas, corrente hoje em dia liderada pelos editores e leitores da revista americana Alpinist, entende que subir uma montanha com proteções fixas e oxigênio suplementar é o equivalente a trapacear a montanha. Mas, para eles, passar sem os cilindros de oxigênio ou proteções fixas não tem nada a haver com a busca de um troféu. É mais uma declaração filosófica, uma expressão da capacidade humana levada aos seus limites físicos, que é, segundo eles, a verdadeira essência do montanhismo. Pensando friamente, os alpinistas que usam oxigênio suplementar não estão escalando, e sim reduzindo a montanha em várias centenas de metros.

Há alpinistas como o italiano Simone Moro, que apesar de já ter escalado vários picos de mais de 8.000 m sem oxigênio, não está buscando o objetivo de escalar todos os 8.000s. Ele quer cumes ainda não escalados de 7.000 m ou mais, ou ser o primeiro em escaladas invernais nas montanhas de mais de 8.000 m do Paquistão, ou outras façanhas mais raras.

Atualmente, desde que Norgay e Hillary “conquistaram” o Everest em 1953, segundo as últimas estatísticas, a montanha (chamada de Chomolungma, ou "Deusa mãe do mundo", em tibetano, e de Sagarmatha, "Cabeça que toca o céu", em nepalês) foi escalada por 2.557 pessoas, quase a metade delas nos últimos cinco anos e cerca de 80% delas após 1991. Assim, percebe-se que com as novas tecnologias e empresas de guias, realmente houve uma banalização da montanha.

Pouca ou quase nenhuma importância se dá aos sherpas, os carregadores que sobem e descem a montanha várias vezes durante cada temporada para montar os acampamentos onde os clientes vão dormir, para monitorar a colocação das escadas de alumínio que permitem a travessia do Glaciar (cascata de gelo) do Khumbu, e que muitas vezes são os responsáveis por praticamente “carregarem” e serem “babás” dos clientes, além de resgatarem escaladores feridos ou doentes. Em vez de 2.557 pessoas, quantos teriam chegado ao topo do Everest atualmente sem a ajuda dos sherpas e das expedições guiadas? O número seria drasticamente reduzido, com certeza.

Há relatos de alpinistas experientes que viram vários clientes de expedições comerciais com diversos sinais de problemas, mas que continuaram escalando mesmo assim. Afinal de contas, uma empresa que cobrou US$ 60,000.00 para levar um cliente ao cume tenta a todo custo fazê-lo, às vezes esquecendo-se ou ignorando o horário limite para voltar. No Everest considera-se o horário de segurança para se chegar ao cume pela rota da aresta sudoeste, a mais popular, às 13h00. Caso não se chegue ao cume à essa hora, esteja onde estiver, é recomendável que se volte, pois há o risco de chegar ao acampamento abaixo depois de escurecer, o que pode resultar, principalmente, em perda de orientação na trilha, isso sem contar que o ataque ao cume e a volta ao acampamento 4 implica em cerca de 50 horas sem dormir e em movimento constante.

Segundo esses relatos, o cansaço e despreparo dos clientes às vezes são evidentes pela linguagem corporal deles. Pode-se dizer muita coisa pela maneira como alguém se curva sobre o piolet ou se pendura numa corda fixa, assim como é possível perceber o estado de uma pessoa pelo número de passos que consegue dar antes de parar para descansar e pela energia e confiança desses passos.

Às vezes, não raro, muitos dos clientes não têm qualquer aprendizado nas montanhas e não dominam nem mesmo as técnicas fundamentais. Talvez já tenham sido guiados ao topo de picos menores, mas ser guiado cria uma mentalidade de criatura guiada. Você não aprende a cuidar de si mesmo.

Se alguém me diz que esteve no topo de um pico de 6.700 m, eu vou querer saber da qualidade dessa experiência. Alguma vez precisou saber do paradeiro das suas luvas à noite, debaixo de uma tempestade? Alguma vez teve de encontrar o caminho de volta debaixo de uma nevasca ou de enfrentar um turbilhão de neve sem óculos de proteção? Alguma vez já cozinhou a sua própria comida? Já executou a tarefa básica de montar sua própria barraca, às vezes sob fortes ventos? Em situações extremas, você poderia confiar em si mesmo? Afinal, você é auto-suficiente?

É comum, mais do que se pensa, encontrar vários corpos no Everest enquanto se sobe a montanha. Os escaladores tentam não pensar na morte durante a escalada e ninguém quer escalar uma via onde haja pessoas mortas, mas os corpos largados no caminho lembram o escalador dessa possibilidade o tempo todo. Num local como o Everest, onde carregar o próprio corpo já é extremamente difícil, imagine o que será carregar de volta um outro corpo inerte. Um em cada oito alpinistas não volta do Everest.

Existem vários cadáveres no Everest, espalhados desde o acampamento-base avançado até pontos próximos do cume. Há até pouco tempo atrás, centenas de metros abaixo do acampamento-base avançado, havia uma alpinista perto da trilha, embrulhada numa lona azul. E, por anos, até que o vento acabou soprando seus restos para o precipício do flanco do Kangshung, toda expedição ao Everest que escalou essa rota passou por Hannelore Schmatz, um marco esquelético logo acima do colo sul, com seus cabelos castanhos ao sabor do vento.

Há uma obsessão compulsiva que faz com que os escaladores percam a ética na montanha. Aliás, ética é ética em qualquer lugar, não só na montanha. Coletivamente, não estamos sujeitos a nenhum código formal de conduta, mas estamos ligados pela chamada “irmandade da corda”. Há rumores de que a morte do brasileiro Vitor Negrete foi resultado de uma série de fatores desencadeados por furtos aos seus equipamentos.

As tensões de escalar em grandes altitudes acabam por revelar o verdadeiro caráter de uma pessoa: essas tensões arrancam as máscaras e mostram quem você é de fato. Lá em cima não existem mais todas as regras sociais por meio das quais se ocultar, com as quais desempenhar papéis. Você se torna a essência do que é na verdade.

É o cúmulo ver um escalador agonizando à beira da morte e não prestar ajuda em troco de chegar ao cume. As pessoas passam às vezes anos se preparando para o Everest e gastam fortunas, e assim não querem ter que dar meia-volta para ajudar alguém, abrindo mão do cume, mas a vida humana é mais importante do que qualquer montanha.

Na temporada de 2006, um inglês que fazia parte da expedição onde também estavam os brasileiros Victor Negrete e Rodrigo Raineri, chamado David Sharp, foi abandonado à própria sorte. Segundo as denúncias, cerca de 40 montanhistas passaram por ele quando agonizava, e ninguém se ofereceu para ajudar.

O neozelandês Edmund Hillary, uma das duas primeiras pessoas a alcançar o pico do Everest, juntamente com Tanzing Norgay, condenou a atitude dos cerca de 40 montanhistas que negaram ajuda ao britânico que morreu por falta de oxigênio. Ele ainda culpou a obsessão de pisar a todo custo no topo do mundo que marca hoje as expedições.

"Minha expedição nunca teria deixado um homem morrer sob uma rocha. Isso nunca ocorreria, seria uma catástrofe", disse Hillary ao jornal New Zealand Herald.

Entre os montanhistas que testemunharam os problemas de Sharp estava o neozelandês Mark Inglis, o primeiro homem a subir o Everest com duas pernas artificiais. Ele reconheceu que viu Sharp, mas que as condições o impediram de prestar assistência.

A resposta não convenceu Hillary, 87 anos. Ele disse que a razão da atitude é a vontade dos montanhistas de acrescentar o Everest a seu currículo, devido a interesses comerciais.

"Eles só querem subir ao pico. Hoje, pouco importa que alguém esteja em perigo. Portanto, não me impressiona alguém morrer debaixo de uma rocha", disse o alpinista pioneiro.

De acordo com um estudo da Universidade de Otago, publicado pelo New Zealand Herald, David Sharp poderia ter sobrevivido se tivesse sido ajudado a tempo com um tanque de oxigênio.

Por isso eu considero que um verdadeiro montanhista não é aquele que chega ao cume à qualquer custo. Muitas vezes, esse tipo de montanhista chega ao cume, mas não consegue voltar.

Além da ética humana, que supera a simples educação e cordialidade, é um exemplo a atitude de um escalador consciente das suas limitações e das limitações que eventualmente a montanha impõe e das quais você não tem como lutar contra. Uma estória exemplifica bem isso.

Em 1996, a fatídica temporada do Everest, um alpinista sueco chamado Göran Kropp fez uma esplêndida tentativa de chegar ao cume sozinho. Mas, uma hora antes de chegar ao topo, calculando suas reservas de energia com aquela frieza de raciocínio que só se adquire depois de muita experiência em grandes altitudes, Kropp deu meia-volta e desceu. Ele havia pedalado 11.200 quilômetros por toda a Europa e Ásia, sozinho, e escalou 8.690 metros, também sozinho, sem apoio dos sherpas e sem oxigênio suplementar. A uns poucos metros de seu objetivo, fez os cálculos e decidiu: outro dia.

Kropp é um exemplo magnífico de autodisciplina e instinto de montanhista. Chegar ao cume é apenas metade de toda e qualquer escalada. Voltar é que são elas – a linha de chegada está lá embaixo, não lá no alto. Durante a descida, estamos mais fracos, cansados, há mais tempo na montanha e por isso mais sujeitos ao mal da altitude e, por tudo isso, mais propensos a acidentes. A decisão de fazer meia-volta nunca é fácil. Mas é uma decisão que honra grandemente a montanha e a própria pessoa.

Feitas essas considerações acerca da banalização do montanhismo e da atual falta de ética generalizada, eu digo que entendo que o montanhismo, apesar de tudo, ainda é um esporte desafiador.

Respondendo aos críticos eu digo que ainda há várias possibilidades: escalar sem a ajuda de carregadores, escalar sem oxigênio suplementar e, principalmente, escalar novas vias.

Os “puristas” que eu citei, são um bom exemplo de se manter o desafio: sempre escalar num número reduzido de pessoas, com o mínimo de equipamento é uma forma de manter o desafio imaculado. Além disso, escalar sem a ajuda do oxigênio suplementar é uma forma de superação que ainda pode ser feita, principalmente nos 14 picos com mais de 8.000 m que existem no mundo, todos no Himalaia.

Novas vias também são um desafio hibernando. Nunca ninguém escalou a rota leste do Everest, pelo flanco do Kangshung. Alguns poucos tentaram, e o ponto mais alto alcançado foi aos 7.437 m por uma expedição em 1994. Então, como não podem existir novos desafios? Esse é só um exemplo de uma via a ser conquistada, um desafio à espera.

Mas, a resposta definitiva aos que dizem não haver mais desafios no montanhismo é o fato de que das 109 montanhas mais altas do mundo, 5 ainda não foram escaladas, todas com mais de 7.200 m. Para estes críticos, vou dar uma ajudinha e listar os nomes dos picos, com sua altura, colocação no ranking entre os 109 cumes com mais de 7.000 m, e localização:

Gangkhar Puensum – 7.570 m – 40º – Butão/Tibete



Saser Kangri II – 7.495 m – 49º – Cachemira (Índia)



Labuche Kang III Leste – 7.250 m – 94º – Tibete



Karjiang – 7.221 m – 100º – Tibete



Tongshaonjiabu – 7.207 m – 103º – Butão/Tibete



Isso sem contar as montanhas com menos de 7.000 m, que podem ser tão ou mais difíceis que qualquer uma. Por exemplo: os poloneses, que não têm montanhas muito altas, durante os tempos da cortina de ferro se especializaram em fazer escaladas invernais. Será que muitas pessoas têm coragem de subir o Aconcágua no inverno, como fizeram Rodrigo Raineri e Vitor Negrete? Definitivamente, o montanhismo é um esporte exploratório com muitos desafios a serem vencidos.

Boas trilhas!

Bulha.

Carretera Austral

Texto: Rodrigo Bulhões
Fotos: Rodrigo Bulhões e Flávio Vianna
Vídeos: Flávio Vianna



Pequeno Manual Prático da Carretera Austral
Um breve relato de uma viagem com todas as dicas necessárias para quem quiser percorrer o Caminho ao Sul de bicicleta



A Carretera Austral

A Patagônia Central chilena sempre foi de difícil acesso. Tudo tinha que chegar lá através de navios ou aviões, na maioria hidroaviões. Os únicos acessos por terra eram a partir da Argentina, e boa parte do abastecimento da XI Região de Aysén del General Ibañez del Campo, ou simplesmente Aysén, era feita através da fronteira argentina.

Temendo pela soberania do país, e após ter cedido à Argentina territórios disputados da Patagônia em troca do apoio às guerras de fronteiras ricas em minérios contra o Peru e Bolívia, o então Presidente Augusto Pinochet decidiu que seria estratégico construir uma estrada que cortasse a região, principalmente para poder mobilizar tropas em caso de uma guerra com a rival platina. Aliás, o nome oficial da estrada é Carretera Austral General Augusto Pinochet, mas este nome está em desuso.

No entanto, a região é montanhosa e recortada por fiordes, o que dificultou muito a construção da estrada. A obra começou em 1976 e só foi terminada em 2002, sendo um dos projetos mais custosos e difíceis já empreendidos pelo governo chileno, trabalho que foi feito pelo exército do país através do Corpo Militar de Trabalho.

A Ruta 7 (Rota 7) se inicia em Puerto Montt, capital da X Região de Los Lagos, e vai até Villa O’Higgins, cidade que fica às margens do lago de mesmo nome, percorrendo 1.240 Km.

A construção começou por um pedaço interno de Aysén, ligando as cidades de Chaitén a Coyhaique, capital da região, num trecho de 420 km.



Depois, a construção continuou em direção ao sul, de forma que muita coisa – assim como é ainda hoje – tinha que chegar pelas cidades portuárias de Chaitén e Puerto Aysén, e só de lá seguir pela estrada para o resto da região. Nós mesmos, eu e meus amigos que percorreram a Carretera comigo, viajamos por 20 horas num ferryboat através do Golfo Corcovado, que também levava vários caminhões carregados com produtos como desde gêneros alimentícios a enormes vidros de janelas.

No final dos anos 1990 a estrada chegou à Villa O’Higgins, de onde é praticamente impossível de se continuar por terra através da XII Região de Magalhães, principalmente pelos glaciares do Campo de Gelo Sul, maior concentração de gelo do nosso hemisfério depois da Antártica, que escoa principalmente pelo Glaciar Grey, no Parque Nacional Torres del Paine. No entanto é possível atravessar de barco pelo lago O'Higgins até a Argentina, onde o lago se chama San Martín.

Por último ligaram Puerto Montt a Hornopirén, Caleta Gonzalo e a Chaitén, unindo finalmente a região ao resto do país através de uma estrada.

Entretanto, a maior parte do caminho ainda é de terra, num tipo de piso de cascalho chamado de rípio, e para se cruzar todo o trajeto é necessário atravessar três trechos em balsas: entre La Arena e Rampa Puelche, entre Hornopirén e Caleta Gonzalo, e Puerto Yungay e Rio Bravo. Em 2007 o segmento entre Chaitén e Villa Cerro Castillo foi asfaltado e foi construído o braço até Caleta Tortel.

Os primeiros 45 km a partir de Puerto Montt já eram asfaltados. Assim, mais de 700 km da estrada ainda é de rípio. Atualmente está sendo construído um caminho que leva até o Glaciar J. Montt e o Estreito Steele, passando pelo Rio Pascua, onde será construída uma represa, perto de Villa O’Higgins.

Aliás, a Carretera Austral, entre as cidades de Puerto Bertrand e Caleta Tortel, acompanha o Rio Baker, o mais caudaloso do Chile, que deve ter um bom trecho que em breve deverá se chamar Lago Baker, em virtude de outra represa. Por causa disso há um movimento popular chamado Patagonia Sin Represas (Patagônia sem represas) liderado por ambientalistas, que se contrapõe a outra parte da população que quer a região mais desenvolvida e com uma energia mais barata.



Na verdade, atualmente a energia vem do norte e é mais cara que no resto do país. Quem chega a Coyhaique a partir de Puerto Aysén, passa por quatro turbinas eólicas, mas estas são responsáveis apenas por 0,8 % da energia consumida por lá. Também ainda se usa muita lenha para aquecimento, e toda casa sempre tem uma ou mais lareiras, geralmente um modelo portátil de fácil instalação, e mesmo no verão as noites são bem frias. Todos os bens de consumo também são mais caros na Patagônia, justamente pelo difícil acesso.

Nos trechos em que há piso de calçamento, este é de concreto de alta qualidade, além de ter uma ótima engenharia. O rípio, como eu disse, é um tipo de piso de pedras de cascalho tanto das redondas como das pontudas, com uma terra cinza muito parecida com areia quando está molhada, e poeirenta quando está seca. Nos locais onde passam muitos carros, fica um trilho duro por onde as rodas pisam, o que facilita o percurso na bike. Ao longo do vale do Rio Ibañez, entre Villa Cerro Castillo e a Laguna Cofré, o rípio fica tão saturado de água que parece uma lama arenosa, muito difícil de se pedalar. A partir de Puerto Tranquilo seguindo ao sul o caminho vai ficando mais esburacado e mal conservado, e com muito mais subidas e descidas, e menos núcleos populacionais.

A bike

Se você quiser percorrer a Carretera Austral por seus trechos de rípio, necessariamente vai precisar de uma mountain bike. Bicicletas híbridas de cicloturismo, mesmo com pneus cravejados, não funcionam. Nós descobrimos isso por experiência própria, pois minha amiga levou uma Specialized de cicloturismo com pneus com cravos. Em primeiro lugar, o pneu, mesmo o de terra, é muito fino e não agüenta os buracos e pedras, furando o tempo todo quando percorre o rípio. Em segundo lugar, o guidão da bicicleta de cicloturismo é confortável para os trechos de asfalto e para as subidas e partes planas. Mas nas descidas, onde a velocidade pode facilitar uma queda, o guidão baixo das mountain bikes te dá muito mais controle da bike e, portanto, segurança. Em terceiro, a combinação de marchas da bicicleta híbrida é limitada, a deixando muito mais “pesada” de se pedalar, principalmente com os alforjes.

Você obrigatoriamente vai ter que levar alforjes. Levar pequenos alforjes no guidão ou bolsas estanque no bagageiro não será suficiente, e é muito desgastante levar mochilas nas costas. Os melhores alforjes são da marca alemã Ortlieb, resistentes, impermeáveis e, o mais importante, muito fáceis de se colocar e retirar. Você pode achá-los em Santiago ou através da página da empresa na internet. Eu tenho um par de alforjes Curtlo que são ótimos, mas são muito trabalhosos de se instalar e desinstalar.

Os melhores bagageiros são de ferro, os quais você poderá soldar em qualquer oficina mecânica em caso de emergência. Os bagageiros de alumínio são praticamente impossíveis de serem soldados, principalmente em locais remotos. Portanto, se for usar um modelo de alumínio, use o mais robusto que você conseguir e que agüente mais peso, além de levar parafusos de reposição, pois a trepidação pode fazer com que os pequenos parafusos se soltem.

Sapatilhas não são imprescindíveis, mas um par de tênis extras é recomendável, já que você pode molhar um dos pares se pegar uma chuva.

Quando pedalamos pela Carretera, levávamos em média 7 a 8 Kg de carga, com duas pessoas dividindo uma barraca. Todavia, vimos que é possível pedalar mais leve e percorrer trechos mais extensos por causa da longa duração do dia (16 horas de luz por dia), mas somente se você estiver muito bem preparado fisicamente. A parte mais problemática seria o trecho entre Rio Bravo e Villa O'Higgins, onde se deve vencer um caminho de 140 Km com um único núcleo populacional, o Campamento entre Rios, no Km 68, que na verdade é um alojamento de trabalhadores da manutenção da estrada que pode estar fechado quando você passar por lá. Nesse caso, eu tentaria alugar uma barraca em Cochrane ou Caleta Tortel para garantir esse último trecho.

Também não é necessário levar muitas roupas, já que ao longo de todo percurso é fácil encontrar alguém que as lave bem barato. Eu levava um par de sapatilhas, um par de tênis e um par de chinelos, dois pares de meias de ciclismo, dois pares de meias comuns, um par de meias de lã (para as noites frias), uma calça-bermuda, uma calça de Fleece 100, duas bermudas de ciclismo, um par de cobre-pernas, quatro cuecas (melhor levar duas de secagem rápida), cinco camisas, sendo duas de ciclismo de manga longa e duas de manga curta, todas de tecido leve e de secagem rápida, um casaco de Fleece 100 e um de Fleece 200, um anoraque, um par de óculos reserva, duas bandanas tubulares, um par de luvas de Fleece 100, um par de sub-luvas, um par de luvas de ciclismo, capacete, um alforje de guidão e um cabo elástico.

Alé disso, um Camelbak de 3 litros e duas caramanholas, mas ao longo da Carretera é bem fácil achar água de boa qualidade. Ainda, um saco de dormir, um isolante térmico, um travesseiro inflável e um cobertor de emergência. Como eu disse, cada duas pessoas dividiam uma barraca, e nós dividíamos entre nós quatro os utensílios de cozinha, ferramentas, comida e caixa primeiros socorros. Cada um de nós também levava um pneu reserva, três câmaras reservas, remendos para câmaras de ar, um par de borrachas de freios reserva, raios, cabo de freio e cabo de câmbio.

O percurso

A primeira coisa que você terá que definir quando for para a Carretera Austral é o percurso e o sentido. Nós decidimos ir de Coyhaique em direção sul até o final da Carretera, em Villa O’Higgins, o que causaria um problema logístico que demandaria um provável gasto excessivo no transporte de volta, que mais adiante eu explico, mas estávamos prevenidos. Contudo, duas das bicicletas quebraram e foi impossível consertá-las, o que eu também explicarei mais adiante, e acabamos indo só até Cochrane, percorrendo 365 Km em seis dias, em vez de 615 em 10 a 12 dias (pretendíamos dormir um ou dois dias em Caleta Tortel).

O maior problema logístico é o transporte das bikes, que se tornam verdadeiros trambolhos na hora de serem carregadas. Ao longo dos 1.240 km da Carretera Austral vivem não mais do que 100.000 pessoas, sendo que 50.000 vivem só em Coyhaique. Somando isso à cara manutenção dos ônibus em virtude da estrada de rípio, o transporte é altamente deficitário para os empresários e, por isso, subsidiado pelo governo. Com a popularização de percorrer a Carretera Austral em bicicletas, cada vez mais turistas queriam carregá-las nos ônibus, o que irritava os empresários, pois as bikes ocupavam muito espaço dos apertados microônibus com pequenos bagageiros, além das pontas arranharem as paredes. Portanto, agora é proibido transportar bicicletas em ônibus ao sul de Coyhaique, e o ônibus que vai de Coyhaique para a Região dos Lagos somente carrega duas bikes por vez.

Assim, eu não sabia se nós íamos conseguir transportar as bikes nos ônibus de volta de Villa O’Higgins para Cochrane e de Cochrane para Coyhaique. O dono da pousada onde ficaríamos poderia nos levar em sua camionete de volta de V. O’Higgins para Coyhaique em dois dias, dormindo em Cochrane, mas pelo salgado preço de R$ 450 por pessoa. Se não conseguíssemos embarcar as bikes nos ônibus, essa era a nossa alternativa, mas pelo menos estava garantida, já que tínhamos data marcada para voltar para o Brasil.

Você também pode percorrer a Carretera de Coyhaique em direção norte até Puerto Montt, percurso com maior facilidade logística e, portanto mais barata, mas não tão isolado e cênico como o trecho sul. Você também pode percorrer todos os 1.200 km em cerca de 20 a 30 dias, dependendo do seu preparo físico e do número de dias de descanso.

Para carregar sua bike no avião, você vai precisar de uma mala especial. Caixotes de papelão são muito frágeis (mas são suficientes se você for para o Chile de ônibus), e é bom proteger as pontas com pedaços de plástico ou isopor. O meu cambio eu protegi com o fundo de uma garrafa PET. Esteja preparado para pagar excesso de bagagem. Do Brasil para Santiago e vice-versa, acima dos 25 kg, cada quilo extra corresponde a 1% da tarifa cheia do trecho, ou um pouco mais de U$ 20.

Chegando a Santiago, você pode pegar um avião da Lan Chile até o Aeroporto Balmaceda, cerca de 55 Km ao sul de Coyhaique. A tarifa custa entre U$ 120 e 145, e um traslado de van até Coyhaique uns U$ 30.

Nós preferimos pegar um ônibus até Puerto Montt e de lá pegamos um ferryboat até o porto mais perto de Coyhaique, pois é uma agradável viagem. Se você fizer isso, é bom reservar as passagens pelo site da Navimag (empresa transportadora) e programar a sua viagem em função do dia de embarque.

O ônibus de Santiago para Puerto Montt era bem confortável (tipo salón-cama, que reclina 170 graus), mas – nós não sabíamos – não fazia paradas. Serviram só um lanchinho safado e nós morremos de fome. De manhã serviram café e chá.

Nós pegamos o ônibus da Empresa Cruz del Sur porque saía do terminal de ônibus Los Heroes, que fica ao lado da Avenida Libertador Bernardo O’Higgins (que os santiaguinos chamam de Alameda), um local bem central, e perto do Albergue da Juventude de Santiago, onde o nosso amigo que chegara dois dias antes estaria hospedado. O ônibus custou $ 32.000 pesos e nos cobraram $ 5.000 por bike. O preço da bike não pode ser acertado no balcão da companhia, somente na hora com o motorista ou bilheteiro, que vai te cobrar quanto ele quiser. Ainda havia a possibilidade de nos mandarem num ônibus que sairia mais tarde caso nossas bikes não coubessem no bagageiro junto com as coisas dos outros passageiros, mas não foi necessário. Acordamos em Puerto Varas, 50 Km antes de Puerto Montt, onde completamos a viagem de de 12 horas às 08h00.



Do terminal rodoviário de P. Montt até o terminal de navios da Navimag, distante cerca de 2 Km, pagamos dois táxis por $ 1.000 cada carro.



Arrumamos um lugar para guardar nossas coisas, pois o embarque ainda não estava disponível. Voltamos para o centro para tomarmos café e fazermos o depósito da reserva do albergue El Mosco em Villa O'Higgins. Comemos no Dino's, rede de cafés chilena e passeamos por um Shopping Center da cidade

Voltamos para a região portuária e fomos até Angelmó, uma feira de artesanato com restaurantes e um mercado de pescados. O Flavinho comprou 4 gorros de lã para nós, que a partir de então passamos a fazer parte da irmandade do chápeu de cholo.

Estávamos procurando pelo restaurante El Chilotito, onde queríamos comer um curanto, tradicional prato de mariscos e carne de vaca, porco e frango, e um calcato, uma espécie de pizza feita em cima de um filé de salmão em vez de massa. Encontramos e comemos muito bem.

No último verão o N/M Puerto Éden saía de Puerto Montt às quartas e voltava às sextas. Pagamos $ 57.000 pesos por pessoa e $ 30.000 pelas bikes, mas quando chegamos é que vimos que poderíamos ter pedido pra alguém colocar nossas bikes numa das picapes transportadas pelo cargueiro, e assim não precisaríamos pagar por elas.



O café da manhã está incluído no preço. As refeições custam US$ 3.000 e há um bar que vende café, refrigerantes, água, vinho e cerveja. A viagem é bem agradável, principalmente no segundo dia. No embarque, encontramos um grupo de ciclistas chilenos que iriam fazer o sentido inverso ao nosso: voltariam de Coyhaique até Puerto Montt. À noite nos divertimos muito e conhecemos Catalina e María Elisa, duas estudantes de biologia que estavam indo para Cochrane para fazer seus trabalhos finais sobre insetos patagônicos.













No dia seguinte, conhecemos também o Pablo, que estava fazendo mestrado no mesmo assunto e era orientador das meninas.







Antigamente o navio seguia até Puerto Aysén. Só que no começo a política de ocupação da Patagônia incentivava a exploração madeireira. Com uma grande derrubada de árvores, uma chuva forte resultou num aluvião e assoreamento do porto, tornando necessária a construção de um porto mais abaixo, em Puerto Chacabuco.

Ainda existe outro problema em relação ao navio. O navio costuma chegar em puerto Chacabuco às 20h00, mas pode atrasar. O último ônibus sai de P. Chacabuco em direção a P. Aysén às 20h30 ($ 600, não cobraram pelas bikes) e em Puerto Chacabuco só tem um hotel, muito caro. Nós pegamos o último microônibus e foi complicado colocar as bikes no corredor do veículo. Se tivéssemos perdido o útimo ônibus, estaríamos em apuros. Teríamos que dormir no caro hotel Loberias del Sur ou acampar de forma improvisada, pois não há camping na cidade.





Nós não estávamos preparados para começar a pedalar a partir daí, pois tínhamos mais bagagem do que iríamos levar para o pedal, já que ficaríamos hospedados em um albergue em Coyhaique que tinha serviço de guarda de bagagem. Mas, se você estiver com a bicicleta montada, ainda vai ter luz do dia suficiente para pedalar até P. Aysén, mas não até Coyhaique. Dependendo da hora em que você chegar, vai ter que dormir em P. Aysén.

De P. Aysén até Coyhaique, um ônibus custa $ 1500 pesos, e nos cobraram o mesmo preço por cada bike.



O famigerado ônibus da volta: O ônibus que volta de Coyhaique até a região dos lagos custa $ 35.000 pesos e só leva 2 bicicletas por viagem. Como um serviço de transporte até Santiago iria demorar 10 dias, nossa única opção foi desmontar as bikes e colocar duas em cada mala bike, de forma a ter dois volumes de bicicletas, e colou. Só que foi uma das piores viagens da minha vida. O ônibus é comum e sem ar-condicionado, mas como tem aquecimento para o inverno, as janelas não abrem. O ônibus parou duas vezes por problemas mecânicos, sendo que em uma delas o rodomoço trancou a porta do ônibus para que ninguém saísse. Além disso tudo, ainda tínhamos que passar por duas fronteiras, quando entrávamos na Argentina, e quando voltávamos para o Chile (sim, oônibus vai pela Argentina, e não pela Carretera). E boa parte do longo caminho de mais de 20 horas é feito no rípio, de modo que muita poeira entrava pelos basculantes do teto.

Sendo assim, se como nós você quiser começar por Coyhaique meu conselho é que se vá de avião até Balmaceda, aeroporto a 55 Km de Coyhaique, seja a partir de Puerto Montt ou de Santiago. Isso por que o ferryboat chega tarde em Puerto Chacabuco e é possível que você não consiga transporte para Coyhaique ou Puerto Aysén, tendo que dormir no caro hotel da cidade (Loberias del Sur) ou acampar improvisado em algum lugar, pois não há campings. Aí, se quiser, na volta poderá fazer a bela viagem de ferryboat de Puerto Chacabuco a Puerto Montt, lembrando que no verão passado o ferry saía de Puerto Montt às quartas e de Puerto Aysén às sextas, mas que esses dias podem mudar, portanto consulte o site da Navimag.

Coyhaique

Em Coyhaique, escolhemos um ótimo albergue que ficava bem perto do terminal rodoviário da cidade, mas o ônibus parou um pouco mais distante, na garagem da companhia. Depois de alguns minutos perdidos, dois de nós pegamos um táxi com as bikes e maior parte da bagagem, enquanto outros dois seguiram a pé.



O Kooch Hostel é muito bom. Encontrei pesquisando na internet e todos nós adoramos quando chegamos lá. Tinha um ótimo café da manhã, um espaçoso gramado com uma macieira e uma pereira, TV a cabo, cozinha que podíamos usar, churrasqueira e internet, além de um depósito onde poderíamos guardar nossas bagagens extras. Pra melhorar, estávamos sozinhos, de forma que a casa era toda nossa.



Quando encontrei esse albergue, mandei um e-mail em espanhol perguntando sobre como fazer uma reserva, e o Cristian, dono da pousada, me respondeu que eu poderia fazer um depósito na conta dele. A remessa de pagamentos da ECT não tem convênio com o Chile, e a remessa do Banco Central era cara e não compensava. O Cristian me disse que eu poderia fazer a reserva pelo site deles na internet, mas o preço aumentava 45 %. Respondi a ele que eu tinha gostado muito do albergue, mas que eu iria arriscar para ver se tinha vaga só quando eu chegasse, pois o preço era majorado quase pela metade. Então ele me respondeu que se eu fizesse a reserva nas duas próximas horas, ele mudaria momentaneamente o preço no site e eu poderia fazer as reservas pelo valor normal, o que eu fiz prontamente.

Depois de deixarmos nossas coisas no albergue, fomos jantar no pitoresco Ricer Café, intitulado “restaurante histórico” que, apesar de não ser um restaurante gourmert, é um dos melhores da cidade, com boa comida, ambiente agradável e bom serviço.



Comemos uma parrillada e salmão com acompanhamentos, água, suco, vinho e cervejas, por $ 10.925 pesos cada um.

Coyhaique não é uma cidade tão pequena. Lá nós compramos uma barraca, isolantes térmicos e gás para o fogareiro, mas os preços eram um pouco mais caros que em Santiago (lembre-se que latas de propano-butano não podem ser transportadas em aviões). Em Coyhaique também tem uma loja da The North Face e outros bons restaurantes, como e El Reloj, dois grandes supermercados, um cinema e uma fábrica de cerveja regional, D’Olbek.

O dia seguinte, uma sexta-feira, era para nos prepararmos para a viagem de bike. Acordamos cedo, tomamos café e fomos montar as bikes.









Conhecemos o Maurício, primo do Cristian que apareceu com uma cara amassada de quem acabou de acordar e com um violão, e acabou levando um som enquanto nós montávamos as bikes



Depois de tudo montado fomos comprar os dois isolantes térmicos e a barraca que estavam faltando, e os mantimentos para as refeições do dia e dos três primeiros dias da viagem, já que no dia seguinte dormiríamos num camping e no outro tudo na pequena cidade onde pararíamos estaria fechado em virtude do segundo turno das eleições presidenciais.



Separamos as comidas para a viagem e fizemos uma boa refeição.

















Depois, fizemos mais um passeio pela cidade para tirar dinheiro do caixa automático.





Mais tarde, a Larissa foi até o hospital da cidade por causa de uma erupção cutânea que ela achava ser alergia a uma roupa nova que tinha comprado em Puerto Montt e vestido sem lavar. Ela foi muito bem atendida, apesar de ter que pagar a consulta por ser estrangeira, inclusive recebendo remédios. Voltamos à pousada e arrumamos nossos alforjes, jantamos e dormimos cedo.

A viagem de bike

1º dia: Coyhaique – Camping da Laguna Chiguay, 66 Km

Não nos preocupamos em acordar muito cedo. Ainda tínhamos que tomar um bom café, arrumar as bikes e comprar a passagem do famigerado ônibus de volta, de forma que efetivamente saímos de Coyhaique por volta de 12h10.











Logo no começo cometemos um pequeno erro de 2km, mas rapidamente voltamos para a Ruta 7.

Na saída da cidade avistamos o Cerro Mackay, um pequeno morro rochoso, e a Muralha da China, uma parede de rocha vulcânica impressionante.



Passamos pela escola da NOLS (National Outdoor Leadership School) e paramos rapidamente numa cachoeira no Rio Salto.



O caminho tinha algumas subidas e descidas, mas era relativamente fácil num calçamento de qualidade.









Paramos para comer no povoado de El Blanco (onde há o Museu do Mate) por volta das 15h15 e continuamos até um pouco mais à frente, onde o caminho que seguia em direção a Balmaceda se bifurcava, subindo em direção a Villa Cerro Castillo.





Aí a viagem foi dura, com 12 Km de subida íngreme, onde nós, super pesados em virtude das comidas, tivemos que ter muita paciência.

Já no primeiro dia ficamos conhecendo os ventos patagônicos. Quando você está na descida, o vento contra pode ser tão forte que te freia, e você tem que pedalar com muito esforço. Ao mesmo tempo um vento pode até te empurrar na subida, e aprendemos a subir as marchas para aproveitar o vento quando sentíamos que estávamos sendo empurrados. Agora, pegar um vento contra na subida, era dureza.



Quando a subida íngreme termina, avista-se uma pequena laguna à esquerda, que anuncia que estamos perto de uma laguna maior à direita, a Laguna Chiguay, onde fica o Camping da Reserva Nacional Cerro Castillo.



O Daniel chegou bastante cansado por causa do peso e - pensava ele - sua sapatilha nova sem amaciar. No entanto, no dia seguinte descobriu que o seu banco estava baixo.



Pagamos $ 1.000 pesos por pessoa e $ 3.500 pelo local. O camping era excelente. Todos locais tinham mesa e bancos, um lugar especial com grelha para fazer uma fogueira, lenha e um abrigo onde podíamos cozinhar nos protegendo do vento. O camping ainda tinha banheiros e um chuveiro aquecido por um boiler a lenha, e uma trilha com uma linda vista da laguna.























Tomamos banho e fizemos uma boa refeição: um macarrão com um molho onde colocamos caldo de peixe em cubo e filé de pescado que vem em conserva em sacos plásticos embalados à vácuo, muito práticos. Aproveitamos a água do macarrão pra fazer uma sopa instantânea que comemos com pão e biscoitos. Ainda assamos marshmallows na fogueira. Logo em seguida, apagamos. O Flavinho, que tinha um saco de dormir leve, passou frio.



2º dia: Camping da Laguna Chiguay – Villa Cerro Castillo, 42 Km

No dia seguinte também não tivemos de sair cedo, pois planejávamos percorrer um trecho de apenas 42 Km. Achávamos que seria uma subida um pouco dura até a selada do Portazuelo Ibañez, mas que revelou-se suave e com uma ótima obra de engenharia, pois mesmo na subida não percebíamos que estávamos nos esforçando muito. Víamos que o rio estava descendo na nossa direção, mas quase não percebíamos que estávamos subindo.



Paramos num lugar com uma placa com o desenho de uma câmera fotográfica, indicando um local cênico. Na verdade é uma rocha que sobrou das explosões feitas para abrir a estrada que os trabalhadores acharam parecido com o perfil de um homem e apelidaram de "Piedra del Conde"



Num certo momento vimos passar uma camionete com duas moças que haviam pedido carona e estavam na parte de trás do carro, com cara de que estavam passando um frio dos diabos. Nós, pelo menos, sentíamos bastante frio, pois estava chuviscando e estávamos num dos trechos de maior altitude da Carretera.

Depois de 30 km de pedal chegamos ao Purtezuelo Ibañez, sela que marca a divisão entre as comunas de Coyhaique e de Rio Ibañez. Logo depois do portal, à direita, há o circo de moraina de um glaciar que deve aparecer só no inverno, muito bonito, com uma cascata de gelo no local por onde a geleira escoa nos meses mais frios.











Depois disso são praticamente 12 Km de descida até Villa Cerro Castillo, os primeiros 6 Km mais íngremes, onde o vento frio castigava principalmente as mãos. Por isso, da próxima vez vou levar luvas de motociclismo também.



Paramos no mirante da Cuesta del Diablo, que é uma descida íngreme com uma pista em zigue-zague para amenizar o ângulo, conhecida como caracoles.











Assim que chegamos à cidade, comprovamos que tudo estaria mesmo fechado no dia de eleição. Um lugar que eu tinha uma vontade especial de conhecer era o ônibus-lanchonete “La Cocina de Sole”, que fica na beira da estrada em frente à cidade, mas também estava fechado.



Villa Cerro Castillo fica aos pés da montanha (cerro) que dá nome à reserva nacional e à cidade.



Encontramos com as moças que estavam “haciendo dedo” (pegando carona) pela Carretera. Chamavam-se Andrea e Paula, e eram fisioterapeutas santiaguinas. Elas estavam procurando um camping, enquanto nós preferíamos um lugar com cama, então nos despedimos e seguimos nossos caminhos.

Fomos ao recomendado restaurante “La Querencia” (O’Higgins 522), nada de mais, mas o melhor restaurante de uma cidadezinha que não deve ter mais de 3.000 habitantes, e o único que podia nos servir alguma coisa.



Como era cedo, queríamos beber vinho e cerveja durante a refeição, mas a lei seca nos impedia. Mesmo assim, diante da nossa cara de frustração, eles disseram que se nós não nos incomodássemos em comer numa sala nos fundos do restaurante, eles poderiam nos servir bebidas alcoólicas. Eu bebi quatro garrafinhas de cerveja D’Olbek, criada por um casal de velhinhos da cidade de Chile Chico e produzida em Coyhaique, enquanto meus amigos dividiram duas garrafas de vinho. Depois eu me arrependi de não ter visitado a fábrica da cerveja em Coyhaique.



Meus amigos comeram o prato do dia, composto de uma empanada de carne, salada, um prato típico chamado cazuela de vacuno (um cozido de vegetais e carne de vaca) e um mote com huesillos, pêssego em calda caseiro. Eu comi um Lomo a lo Pobre, que é um filé à cavalo com cebolas e batatas fritas. Eu gastei $ 6.500 pela refeição e $ 6.000 pelas quatro cervejas. O prato do dia era $ 4.000. Nós falamos para o dono do restaurante, Sr. Hector, que pretendíamos pedalar 70 Km no dia seguinte e acampar às margens da Laguna Cofré, mas ele nos disse que lá era muito frio, que havia a possibilidade de nevar à noite, e que seria melhor dormirmos mais adiante, já no vale do Rio Murta.

O Hector nos recomendou a pousada Teu Shenkenk (marsolarave@gmail.com). Chegando lá fomos atendidos pela simpática senhora Soledad. Nós ficamos hospedados numa casinha nos fundos da propriedade, que tinha dois quartos com dois beliches cada um, banheiro, aquecimento e cozinha completa. Teu Shenkenk é o nome de uma etnia dos Tehuelches, grupo indígena da região.



Depois de acomodados, o pessoal foi visitar o monumento Cueva de Las Manos, mas como eu já sabia pelas minhas pesquisas que aquilo era a maior enganação, preferi ficar descansando na pousada. Pelo menos eles tiveram a oportunidade de ver o fim do asfalto concretado e o começo do rípio, assim como conheceram a frutinha do calafate. Dizem que quem come calafate sempre volta à Patagônia. Toda vez que eu via um, fazia questão de comer aquela frutinha aezdinha que serve de ingrediente para um ótimo sorvete e uma geléia sensacional.













Eles voltaram e confirmaram o que eu já sabia. Na verdade, a rocha original com as pinturas rupestres ficava muito mais distante montanhas adentro e foi recortada e levada para um museu. Aí, as pessoas da cidade reproduziram as pinturas em rochas de local mais acessível, e dá pra ver claramente que as pinturas são recentes.

Depois que eles voltaram conseguimos que o marido da Soledad entrasse em contato com a dona do ônibus-restaurante via rádio, já que só há um telefone na cidade, e ela concordou em abrir a lanchonete para nós. Ela estava muito feliz com a vitória do candidato Piñera, assim como todas outras pessoas da cidade. Ela disse que a presidenta Bachelet tinha feito um bom governo, mas que olhava pouco para a isolada Aysén, e que o povo precisava de mudanças.

A jovem senhora Soledad, xará da dona da pousada, nos fez ótimos sanduíches. Eu comi um churrasco (sanduíche de bife) com queijo e tomates, mas só consegui comer metade, e guardei o resto na geladeira para comer no dia seguinte. Antes de dormirmos, o marido da Soledad da pousada acendeu a pequena lareira. Nós avisamos que pretendíamos tomar café às 09h00 do dia seguinte, e fomos dormir.



3º dia: Villa Cerro Castillo – Bahia Murta, 110 Km

Quando entramos na casa da Soledad para o café da manhã no outro dia, ficamos surpresos com a quantidade de mensagens escritas pelos hóspedes nas paredes da casa, inclusive de alguns brasileiros. O que me chamou mais a atenção foi uma fotografia dedicada ao casal de anfitriões e autografada pelos Los Jaivas, banda de rock chilena dos anos 80.



Depois de nos despedirmos, saímos um pouco mais cedo do que nos dias anteriores, às 10h00, principalmente porque logo depois de Villa Cerro Castillo começa a estrada de rípio. Pegaríamos pelo menos 70 Km de rípio pela frente, caso fossemos somente até a Laguna Cofré. Como havíamos sido avisados que o local era muito frio, era bem provável que seguíssemos mais adiante, pelo menos descendo até o Vale do Rio Murta.




O caminho de rípio poeirento já começou subindo, e em pouco tempo já tínhamos belas vistas da entrada do Vale do Rio Ibañez, até chegarmos a uma placa que mostrava a bifurcação do caminho, uma em direção ao Lago Las Ardillas e ao Lago Central e outra em direção à Bahia Murta, para onde seguiríamos.







A subida terminou depois de 10 Km e nós chegamos num local mais úmido, onde o piso era um pouco mais batido e compactado, sem soltar poeira. Já não víamos o Vale do Rio Ibañez, pois estávamos dentro das montanhas. Era um trecho mais plano onde começamos a desenvolver mais velocidade, e então o pneu da bicicleta da Larissa furou pela primeira vez ao passar por um buraco. Ela trocou a câmara e nós seguimos adiante, com poucas subidas naquele ambiente mais agradável, passando pelo camping Los Ñirres no Km 14, até chegarmos à Laguna Verde no 21º km daquele dia.



Dali o caminho começa a descer até nos encontrarmos de novo com o Vale do Rio Ibañez, num trecho muito mais amplo e impressionante que o anterior. Tiramos algumas fotos no mirante e terminamos de descer até o vale, passando por uma pequena ponte de um dos tributários do rio Ibañez.





Aí chegamos num trecho plano mas de terreno muito pesado, arenoso e úmido devido à proximidade dos terrenos alagadiços ao lado do largo rio Ibañez. Cruzamos com alguns ônibus e caminhões do Corpo Militar de Trabalho, assim como por locais onde a estrada estava sendo arrumada por tratores.

Depois a pista ficou melhor e nos encontramos com o Bosque Muerto. A erupção do vulcão Hudson em 1991 cobriu esse trecho do vale com cinzas, o que matou as árvores, deixando uma sinistra floresta de árvores secas à beira do rio Ibañez.







Alguns quilômetros depois do Bosque Morto, voltamos a subir, deixando o vale para trás e seguindo em direção à Laguna Cofré. Aos 50 Km cruzamos a ponte Becerra e a subida ficou menos íngreme. Voltamos às montanhas, onde o microclima estava mais agradável. No entanto, na medida em que subíamos mais e avançávamos em direção à laguna, a chuva começou a aumentar e o vento ficou muito mais frio. Não podíamos parar que sentíamos frio. Por volta do Km 73, depois de passarmos por alguns acampamentos de lenhadores, aparentemente legais, chegamos à Laguna Cofré.





Percebemos porque o Héctor tinha nos avisado que não seria bom acampar por lá. Estava frio e chuvoso, ventava muito e era muito úmido. Paramos para confabular e decidimos que tentaríamos chegar ao povoado de Bahia Murta, cerca de 40 Km adiante. Caso não conseguíssemos, acamparíamos no vale abaixo.



Logo depois da laguna o caminho fica mais duro. O Cajón Cofré (Cânion Cofré) em direção ao Vale do Rio Murta é predominantemente uma descida, mas com muito sobe e desce íngremes. Estava chovendo, o cascalho era muito solto e às vezes os ventos nos empurravam para fora da estrada em direção ao precipício, o que nos obrigava a pedalar bastante concentrados. As correntes começaram a ficar cheias daquela areia de cascalho e algumas vezes tivemos que sair da bike e empurrá-la por não conseguirmos cambiar antes de algumas subidas íngremes, de forma que paramos para limpar e passar óleo nas engrenagens.

Continuamos em frente sendo ameaçados pelos ventos e por enormes picapes 4 x 4 que começaram a cruzar nosso caminho, a maioria em alta velocidade, e muitas pessoas nos filmaram e tiraram fotos enquanto passavam.

Passamos pelo mirante do vulcão Hudson, mas nem paramos, pois as nuvens impediam a sua visão, estava frio e nós queríamos chegar logo ao vale.
Finalmente chegamos ao vale e o clima foi melhorando na medida em que nos afastávamos das montanhas e nos aproximávamos do Lago General Carrera, onde quase nunca chove no verão.

Depois da Ponte Traiguanca, o clima já estava bem melhor e, antes da Ponte Rio Murta avistamos um outdoor de um mercado que anunciava Bahia Murta a 5 Km. Explodimos de alegria e começamos a brincar de um ultrapassar o outro, como se estivéssemos num Tour de France: “- Lance Armstrong ultrapassa!”, “- Alberto Contador retoma a ponta!”.




Só que passaram 5 km e o caminho voltou a subir. Passaram-se mais 5 km e nós chegamos à conclusão de que um número 1 estava apagado no outdoor, e o que nós pensávamos ser 5 km de distância era na verdade 15 km. Depois do sprint que tínhamos dado, cruzamos cansados as pontes Murta I e II, chegando à Bahia Murta depois de um dia de 110 km de pedal sob condições muito duras.





Bahia Murta tem menos de 600 habitantes (a placa diz 586) e é uma pequena vila de pescadores às margens do delta do Rio Murta quando este encontra o General Carrera. Uma das maiores casas da cidade é ao mesmo tempo uma venda, um posto telefônico (o único da cidade), casa da família e albergue familiar: Hostel Marianella. Chegamos lá e pechinchamos. Cobraram-nos o irrisório preço de $ 4800 por uma noite, banheiro com chuveiro quente, jantar e café da manhã. E o legal de se ficar numa casa de família é conhecer a cultura do lugar.

Compramos vinho, cerveja e algumas guloseimas no “Minimarket Germaniar”, armazém do outro lado do quarteirão, na beira da pista principal de acesso à cidade. Relaxamos com nossas bebidas enquanto assistíamos televisão e esperávamos o jantar.

Nós comemos o mesmo que toda a família: uma ótima cazuela de vacuno, um segundo prato de arroz e carne do cozido, e mote com huesillos ou pudim de chocolate. Demos uma voltinha pela cidade, conversamos com algumas senhoras locais sobre as novelas brasileiras e fomos dormir o sono dos justos. No dia seguinte pedalaríamos um trecho curto, pois queríamos fazer um passeio de barco pelo Lago General Carrera para visitarmos as Cavernas de Mármore.



4º dia: Bahia Murta – Puerto Tranquilo, 30 Km



Acordamos despreocupados e tomamos nosso café da manhã. Os chilenos comem muito abacate, seja em sanduíches, saladas ou, como descobrimos nesse dia, batidos com sal e um pouco de azeite para passar no pão. Despedimos-nos da família e seguimos nosso pequeno percurso de 30 Km até Puerto Tranquilo.



Encontramos um ciclista chileno que vinha da Argentina no sentido contrário. Passamos algumas pontes e algumas subidas e encontramos com uma dupla de guardas florestais um pouco antes de P. Tranquilo.





Falando em subidas, tinha uma placa de sinalização que sempre nos deixava irritados quando a víamos: aquela do caminhãozinho subindo a ladeira indicando que havia um subidão à frente. Ódio dessa placa. Teve uma vez em que a placa estava solta de um dos parafusos e parecia que o caminhãozinho estava subindo uma parede. Demos muita risada, mas não achamos nenhuma graça.



Chegamos em P. Tranquilo e resolvemos que não iríamos aceitar a primeira oferta de passeio de barco. Paramos numa vendinha para almoçarmos e depois encontramos um camping que nos indicou um passeio de barco mais barato do que o que nós havíamos visto.

Eu estava esperando encontrar uns amigos que estavam viajando de carro, e havia a probabilidade de nos cruzarmos em P. Tranquilo. De repente, eu vi uma picape com placa de Brasília e fui correndo encontrá-los, mas era um outro casal. De qualquer forma, batemos papo e encontramos outro casal de brasileiros que pararam no restaurante.

Num trecho de rochas de carbonato de cálcio às margens do Lago General Carrera, num local chamado Puntilla El Marmól e no grupo das Ilhas Panichine, a erosão causada pelas ondas das águas do lago criou cavernas belíssimas, entre elas a Capela de Mármore, ou Capilla de Marmól. Custou $ 2.500 por pessoa e foi um belo passeio que eu recomendo a todos.



























Voltamos para o camping e tomamos banho. Reencontramos as chilenas que tínhamos conhecido em V. Cerro Castillo conversando dentro da casa da dona do camping. Como poderíamos usar a cozinha, fizemos um macarrão comunitário e as convidamos para comer com a gente, assim como as argentinas Lorena e Bárbara, que tinham feito o passeio de barco conosco. Compramos vinhos, cervejas e pisco sour e os brasileiros comandaram a festa em P. Tranquilo. Não sei quanto aos outros, mas eu acordei de ressaca e com a cabeça inchada.



5º dia: Puerto Tranquilo – Puerto Bertrand, 74 Km



Acordamos cedo e tomamos um café reforçado. Quando a Larissa estava pronta para sair, viu que estava com outro pneu furado. Trocou a câmara e, quando começou a enchê-la, o pito começou a descolar da câmara e esta começou a vazar. A Larissa instalou sua última câmara nova, nós nos despedimos das meninas e começamos o quinto dia em direção a Puerto Bertrand.





Pedalando ao longo do lago, enfrentamos muitas subidas e descidas. Depois de cerca de 32 km passamos pela Ponte do Rio Leones. O mapa rodoviário indicava que a partir dali haveria 14 km de asfalto, mas este ainda não tinha sido colocado. Depois de alguns quilômetros o pneu da Larissa furou de novo.



Tentamos remendar, mas era difícil, pois a roda beliscava a câmara e fazia dois cortes paralelos de 1,5 cm muito difíceis de se consertar.

Sabíamos que havia uma loja e mecânica de bicicletas em Cochrane, a cidade depois de Puerto Bertrand, onde deveríamos chegar em dois dias. Resolvemos pedir uma carona para as várias picapes alugadas por praticantes de pesca esportiva, pois estávamos numa área com alguns lodges de pesca, e logo a primeira parou. A Larissa foi direto para Puerto Bertrand e nós seguimos pedalando. Logo depois dessa parada conhecemos o alemão Martin e o estadunidense Seth, outros dois ciclistas que iam na mesma direção que nós, mas eles acabaram ficando para trás.

Nesse ponto conhecemos os tepales, mutucas gigantes que nos picavam por sobre as roupas e eram extremamente irritantes. Mesmo quando o vento era muito forte elas ficavam nos rodeando e às vezes o Flavinho parava pra pegar um ramo de alguma árvore pra ficar espantando aquelas moscas do tamanho de cavalos enquanto pedalava.







Passamos pela bela Ponte General Carrera no Km 41 e 7 km depois chegamos ao Cruce El Maitén, onde a Ruta X-65 que vem de Chile Chico se junta à Ruta 7 e segue em direção sul. Depois desse cruzamento há uma difícil subida que termina pouco depois de um mirante. Desse mirante podemos ver a Laguna Negra, logo abaixo, e algumas casas nas suas margens (na verdade o Lodge Mallín Colorado), e o Lago General Carrera um pouco mais adiante, numa vista alentadora depois de um difícil esforço.





Continuamos até chegar ao Lago Bertrand, mas ainda tínhamos que atravessar uma pequena serra para chegarmos a Puerto Bertrand, às margens do mesmo lago, mas num ponto mais adiante. A estrada ficou pior, com muitas subidas e descidas, e o Daniel estourou um raio da roda traseira.

O calor foi diminuindo e o clima foi ficando mais úmido com o final do dia e da aproximação à P. Bertrand. Chegamos depois de percorrermos 74 Km desde P. Tranqüilo.

Já o Daniel tinha outro problema. Como não tinha conseguido encontrar um bagageiro que se encaixasse no seu eixo traseiro com freio a disco, improvisou um eixo que permitia a instalação do bagageiro, mas que dificultava a troca de raios, e nós não tínhamos aqueles raios de aço especiais para raiação sem tirar a catraca, o que agora vemos que é muito importante.



Quando chegamos a Larissa estava nos esperando um pouco antes da entrada da cidade com sua bicicleta consertada. Um senhor a tinha ajudado a fixar o remendo na câmara com a ajuda de uma morsa de marceneiro.

Fizemos algumas compras na vendinha da cidade, conversamos com um jovem operador de turismo que oferecia passeios de rafting no Rio Baker (que nasce a partir do Lago Bertrand e de outro glaciares) a $ 25.000 por pessoa, incluídos transporte de volta e todos os equipamentos coletivos e pessoais, em corredeiras de nível I e II e uma de nível III.

Fomos procurar algum lugar para ficar ou acampar. O primeiro que encontramos tinha o banheiro meio sujo e o local para acampar era muito irregular, por isso declinamos. Na parte alta da cidade encontramos o Residencial D. Esther, mas ela foi super grossa quando nós pechinchamos e acabamos nos hospedando no Residencial Los Coigues, de propriedade do Sr. Lucio, aquele que tinha ajudado a Larissa a consertar o pneu. O preço era o mesmo do Residencial D. Esther, $ 8.000 por pessoa nos quartos e $ 3.000 pelo camping, ambos com café da manhã, mas preferimos ficar na casa do senhor que tinha ajudado a Larissa, do que com a senhora que tinha sido grossa conosco.

O Residencial Los Coigues fica na Rua Amador Esparsa nº 265, e quem tomava conta era a nora do Sr. Lucio, a simpática Daisy.



Cozinhamos macarrão e sopa, comemos sanduíches com deliciosos pães caseiros feitos pela Daisy e fomos dormir.

6º dia: Puerto Bertrand - Cochrane, 58 Km



De manhã a Daisy nos serviu o café e nós ainda usamos o computador da casa para baixar algumas fotos das câmeras fotográficas. Quando fomos olhar a bike da Larissa, o pneu já estava vazio de novo.

Eu e o Flavinho brincamos um pouco com o filho da Daisy e um amiguinho dele enquanto a Larissa e o Daniel tentavam arrumar o pneu dela. Como eles estavam demorando, decidiram que pegariam uma carona e resolveriam o problema na loja de bicicletas em Cochrane. Dei pra eles o endereço da loja e nós ficamos de nos encontrar lá.











Começamos o sexto dia com a bela visão do Rio Baker, que foi nos acompanhando até pouco antes de Cochrane. Inicialmente o percurso é fácil, com algumas poucas subidas íngremes depois da confluência do Rio Baker com o Neff, após cerca de 16 Km de pedal.

Distanciamos-nos do Rio Baker e depois finemos uma longa descida em direção ao cânion do Rio Chacabuco até chgar à sua ponte, onde paramos para comer. A partir daí o caminho fica bem mais duro, com muitas subidas, até avistarmos o Rio Baker de novo.

Mais ou menos no Km 41, onde a estrada se bifurca para o Vale do Rio Chacabuco, vimos uma camionete passar com o Daniel e a Larissa na traseira com suas bicicletas. Acenamos e continuamos seguindo. Dois alemães passaram por nós em sua picape e pararam para tirar fotos com a gente.











Continuamos seguindo e passamos primeiro por um pequeno monumento com uma oração ao viajante. Pouco depois encontramos o casal de brasilienses que tínhamos conhecido em P. Tranquilo e passamos pela placa que anunciava a cidade de Cochrane, e logo depois outra com os horários da barca de Puerto Yungai para Rio Bravo, por onde passaríamos depois de Caleta Tortel.







Chegando a Cochrane, fomos procurar a loja de bicicletas que ficava na Rua San Valentin, nº 400. Qual não foi nossa surpresa ao descobrirmos que a loja tinha fechado alguns meses antes, em setembro, e no lugar dela funcionava agora uma oficina mecânica. Foi uma ducha de água gelada.

Fomos para a praça central da cidade onde havia o maior supermercado, compramos algumas coisas para comer e beber e esperamos que o Daniel e a Larissa aparecessem. Eles chegaram desolados, pois também já sabiam que a loja de bicicletas não existia mais. Descobrimos um mecânico que poderia trocar o raio do Daniel, mas não foi possível encontrar câmaras para o pneu da Larissa. Ainda procuramos por bicicletas para alugar, mas só encontramos bicicletas ruins. Não havia mais como continuarmos pedalando juntos.





Foi desolador. Dos 615 Km pretendidos, tínhamos feito 365 Km, pouco mais da metade. Eu e o Flavinho ponderamos em continuar, mas acabamos decidindo que estávamos viajando em grupo e que deveríamos continuar assim.

Nos hospedamos no Residencial El Bombero por $ 4.800 com café da manhã. Fizemos compras no armazém da dona da pousada, que ficava bem ao lado, e cozinhamos nosso jantar.

Conhecemos o filho do dono da pousada, que nos disse que tinha acabado de sair da prisão depois de um ano e meio por não pagar impostos. Nós ficamos supresos e dissemos que no Brasil ninguém era preso por isso, mas ele disse que no Chile, sim. Tomamos algumas cervejas com ele e fomos dormir.

De manhã, fomos procurar um carro pra alugar. Mesmo a taxa sendo muito alta para alugarmos um carro e ele ser devolvido de Coyhaique, não havia nenhum disponível em uma semana. Pensamos na possibilidade de contratarmos alguém com uma camionete para levar-nos de volta, mas antes fomos tentar com as empresas de ônibus.

Havia duas empresas de ônibus na cidade, a Buses Don Carlos, que tinha ônibus mais novos e passagens mais caras, e a Buses Sabra. A primeira não aceitou transportar nossas bicicletas. Na segunda encontramos o filho do dono da empresa tomando conta do lugar. Era um rapaz esclarecido, estudante de Ciências Políticas em Coyhaique, que estava de férias na sua cidade natal e aproveitava para ajudar no negócio da família. Foi então que descobrimos que os ônibus estavam proibidos de transportarem bicicletas. Explicamos nosso problema pra ele e ele disse que se nós protegêssemos todas as pontas das bicicletas e tirássemos as rodas, era possível que seu pai permitisse que transportássemos as bikes; que nós voltássemos dali a uma hora para a resposta.

Fomos dar uma volta pela cidade para passar o tempo. Passamos pelo quiosque de informações turísticas e pegamos as orientações para ir até a Reserva Nacional Tamango, refúgio de huemules, os cervos patagônicos.

Quando voltamos à loja da empresa de ônibus, recebemos uma boa notícia. Nós poderíamos levar as bikes no ônibus. Compramos as passagens por $ 9.500 e pagamos $ 1.500 por cada bike, um preço bem razoável.

Algumas coisas nos chamavam a atenção no Chile. Primeiro, muitas pessoas fumam. Só que, como o governo está fazendo uma campanha contra o tabagismo e por isso aumentou os impostos sobre os cigarros, a maior parte das pessoas fuma cigarros baratos, e por isso bem mais fedidos que o normal. Em segundo lugar, também nos surpreendeu o número de adolescentes grávidas e mães precoces. Em terceiro, nos espantava a enorme quantidade de cães vira-latas nas ruas.

Pois bem. Um desses vira-latas começou a nos seguir e o Daniel se afeiçoou por ele. Quando fomos ao supermercado comprar fita adesiva e conseguir caixas de papelão para proteger as bikes, ele comprou um pedaço de osso para o cachorro. O bicho ficou super feliz e o Daniel o batizou de Torresmo. Enquanto arrumávamos as bikes para o dia seguinte, o Torresmo roia seu ossinho feliz da vida do lado de fora da cerca.



Depois de prepararmos as bikes, fomos caminhando até a Reserva, sempre acompanhados pelo Torresmo, mas tivemos que enxotá-lo quando chegamos, pois era proibida a entrada de animais.



Chegando lá o pessoal queria fazer um pequeno trekking, mas eu estava com fome e resolvi voltar. Depois me arrependi amargamente, pois meus amigos encontraram dois huemules e chegaram bem pertinho deles. A entrada na reserva era $1.500 por pessoa.















Voltei ao Residencial e fiz um macarrão para matar a fome. Todas as casas na Patagônia chilena sempre têm uma chaleira elétrica que ferve 2 litros de água em menos de 2 minutos, realmente impressionante. Eu esquentei a água nessa chaleira, passei para a panela e cozinhei meu macarrão.

Assim que eu terminei, chegou um neozelandês chamado Thomas. Ele me pediu para praticar espanhol comigo e eu dei algumas dicas a ele, que falava muito mal. Ele fez um arroz sem refogar que eu achei que ficou meio ruim. Ele saiu para fazer compras e o pessoal chegou com compras para o jantar. Quando o Thomas voltou, o convidamos para jantar com a gente.



Foi muito divertido. Os gringos realmente ficam surpresos com a personalidade extrovertida dos brasileiros. Depois o Thomas me mandou um e-mail dizendo que ele tinha um blog chamado Crazy Guy on a Bike. E esse tinha sido um site do qual eu tinha conseguido várias informações. Se eu soubesse, tinha dito pra ele antes.

Outra boa fonte de informações foi o site e o livro do Valdo na Bike, assim como o e-grupo do Yahoo Grupos sobre a Carretera Austral. Inclusive o Valdo me mandou algumas mensagens com dicas. Infelizmente, quando eu voltei da Carretera fiquei sabendo que o Valdo tinha falecido no México durante sua volta ao mundo.

De Volta a Coyhaique

Dormimos e fomos levar as bikes desmontadas até a sede da empresa cedinho para podermos guardar as bikes direitinho. Quando chegamos lá, o motorista pediu que as colocássemos bem escondidas, pois se os Carabineiros (policiais chilenos, incorruptíveis) as vissem ele seria multado. Guardamos as bikes, entramos no ônibus e ficamos esperando o Flavinho, que tinha dormido na barraca e por isso estava atrasado por ter que desmontá-la.

O problema é que o ônibus não podia esperar, pois tinha que sair antes do ônibus da outra companhia para ir pegando as pessoas pela estrada antes da concorrente. E o ônibus saiu mesmo. Ficamos meio confusos, mas o ônibus acabou parando duas ruas abaixo para pegar uma mulher e seus três filhos, que, felizmente, demoraram um pouco a entrar. Foi o tempo do Flavinho aparecer correndo. Ufa.

Durante a viagem fui conversando com o filho do dono da empresa. Conversamos sobre o turismo na Patagônia e como isso trazia divisas pra região, sobre as represas que pretendiam construir e outras amenidades.

Num certo ponto, eu me senti a vontade pra perguntar sobre o filho do dono do residencial, que tinha sido preso. Ele me explicou que o cara não tinha sido preso por não pagar impostos, mas sim porque desviava grana quando era contador da prefeitura. No dia de pagamento, que o rapaz sabia qual era em razão do seu pai ser professor de escola pública, o contador fechava a boate da cidade e pagava cerveja pra todo mundo. Até que foi pego.

Paramos em Vila Cerro Castillo e comemos algumas bobagens no La Querencia, que é o local onde os ônibus param. Depois de seis horas poeirentas, finalmente chegamos de novo à Coyhaique.

No entanto, a pousada maneira onde nós havíamos feito reserva estava cheia, e nós a perdemos, já que pretendíamos chegar só seis dias depois.

Agora tenho que falar de um assunto delicado. Os jovens israelenses, depois que servem o exército, ganham uma grana do governo e passam cerca de 8 meses viajando pelo mundo, é um tipo de tradição que eu já tinha conferido por outras viagens pela América do Sul. Só que na Patagônia chilena fiquei sabendo de umas histórias sinistras, que depois um amigo me confessou ter ouvido também durante uma temporada na Cordilheira Huayhuash, no Peru.

Os donos de albergues e campings têm ódio desses jovens israelenses. Não de todos os israelenses, apenas da rapaziada que está fazendo essa excursão após servir o exército. Acontece que a molecada viaja com pouca grana e tem fama de sair de madrugada sem ninguém ver para não pagar, de deixar as cozinhas cujo uso é liberado totalmente sujas (“La cagan todo!!”), e por até intimidar as pessoas, pois sempre viajam em grupos de seis a dez pessoas.

Então é comum chegarmos a albergues que não aceitam jovens israelenses, onde vemos placas em iídiche e espanhol proibindo a entrada deles (“No Israeli”). Dessa forma, apenas os albergues mais vagabundos os aceitam. Como estávamos com um déficit em razão da perda da reserva do caro albergue, tivemos que ficar no “muquifo dos israelenses”. Puta espelunca. Hospedaje Lautaro, na rua de mesmo nome, n. 269.

Então, depois de buscarmos a roda do Daniel no conserto e ouvirmos do dono da melhor loja de bicicletas da cidade (Figón, Simpson 888) que o caminho só iria piorar depois de Cochrane, realmente desistimos de voltar até lá de ônibus para continuarmos.

Fomos relaxar e comemorar, de novo no Restaurante Ricer. Desta vez iríamos pagar com cartão de crédito e resolvemos detonar. Pedimos vinhos, cervejas artesanais, pernas de cordeiros patagônicos, enfim, o escambau.
Imagina quatro ciclistas imundos de uma viajem poeirenta com uma roda de bicicleta na mão em um restaurante chique. As garçonetes olhavam pra gente desconfiadas, com cara de quem achava que esses brasileiros sujos não teriam grana pra pagar a conta exorbitante.

O Flavinho ainda resolveu fazer uma brincadeira de enfiar a rolha dentro da garrafa de vinho e desafiou as garçonetes que iria conseguir tirá-la de dentro da garrafa. Foi uma zona bem divertida. Lembro-me de uma garçonete bonitinha chamada Nicole que parecia particularmente nervosa. Fechamos o restaurante e pagamos a conta de $ 64.600 pesos (o equivalente a uns U$ 150, ou R$ 270,00), para alívio das garçonetes.



No dia seguinte voltamos pra tomar um chope e todas se lembravam de nós, é claro.

Saímos bêbados pela praça em direção à boate da cidade. No caminho o Daniel, baseado no fato de que estávamos excedendo nosso orçamento, brincava com as pessoas pedindo “-Auxílio, auxílio!”, ou seja, pedindo esmolas. A zona era tão grande que em determinado momento eu disse: “- Galera, desse jeito a gente vai acabar passando a noite na cadeia!”, e o Flavinho respondeu: “-Pelo menos vai ser melhor que o muquifo dos israelenses!!”.

Chegamos à boate Piel Roja e não tinha jeito de disfarçarmos a nossa cara de gringos. Ainda confraternizamos com umas chilenas. O Flavinho se deu bem. Se deu bem é forma de dizer, pois a mina era fumante e o Flavinho disse que estava lambendo cinzeiro.

Eu fui embora antes, bêbado, e me perdi na cidade, que tem um diferente desenho hexagonal. Encontrei um show de heavy metal e dei uma grana pra uns moleques me levarem até o hotel.

Acordei no dia seguinte na maior ressaca e fui pro supermercado comprar água mineral e alguma coisa pra comer. Nosso ônibus só sairia no dia seguinte, então não tínhamos muito que fazer. Levei umas roupas pra lavar e voltei pro albergue para o trabalho de desmontar as bikes e tentar colocar duas em cada mala-bike.

O Flavinho ainda teve que comprar uma chave de boca pra soltar os pedais. No final, sobraram os bancos e seus canotes, que nós tivemos que colocar dentro de um caixote. Fomos num internet café e depois fomos catar cerejas pela cidade, que é cheia de cerejeiras que dão frutos justamente nessa época. No entanto, só tínhamos comido uma besteiras, e percebemos que já era depois do almoço, mas fomos tomar café mesmo, no restaurante Rincon Patagon, na esquina da Francisco Bilbao com a Arturo Pratt.

O pessoal ficou descansando na pousada enquanto eu fui passear pela cidade. Eu queria visitar a cervejaria, mas depois descobri que era muito longe.

Voltei pra pousada e convidei o pessoal pra dar uma volta pela cidade. Fomos até a praça de armas, estranhamente hexagonal. Como as ruas começam a partir da praça, demora um pouco pra você ter noção da disposição das ruas. Haviam muitas pessoas na praça, principalmente crianças. Compramos algumas lembrancinhas de artesanato, tomamos um chopp.

Nesse dia era jogo do time de futebol Universidad de Chile contra o Cobreloa, pelo torneio clausura. De repente, aparece uma dezena de jovens torcedores do “La U” fazendo uma bagunça pré-jogo. Tiramos algumas fotos e gravamos alguns vídeos. Foi então que eu percebi que estava sem o meu pendrive com todas as fotos da viagem. Eu suspeitava que tinha esquecido no cybercafé, mas fiquei desesperado pensando na possibilidade de tê-lo perdido. O café já estava fechado e tínhamos que esperar até o dia seguinte para voltar até lá. Foram horas desesperadoras para mim.











Voltamos para a pousada para terminarmos de arrumar nossas coisas, tomar banho e sairmos para jantar. Jantamos no mesmo restaurante que tínhamos comido anteriormente, enquanto assistíamos a vitória do Universidad de Chile por 3 a 1. Observamos um estranho hábito chileno: misturar chopp com Fanta Laranja. Que pecado. Demos mais uma volta e fomos dormir cedo.

Eu passei a noite tendo pesadelos sobre o pendrive. Acordamos tarde, tomamos café na cozinha da pousada e desocupamos o quarto. Fizemos compras para lancharmos no ônibus e voltamos ao internet café para descobrirmos que eu realmente tinha esquecido o dispositivo com as fotos lá.

Com grande alívio, levei alguns cascudos e cumpri minha promessa de pagar o almoço pra todo mundo caso eu achasse o pendrive. Comemos ao lado do cybercafé, onde havia um restaurante com boas promoções. Na saída, encontrei com o Sr. Hector, do restaurante La Querencia de Villa Cerro Castillo, que lamentou muito não termos conseguido chegar até o final do nosso planejamento, mas eu prometi que ele voltaria a me ver por lá em outra oportunidade.

Embarcamos no ônibus para Osorno. Para fazer o percurso, o ônibus tem que entrar na Argentina, passar por Bariloche e voltar para o Chile. Como eu disse, a viagem foi muito ruim. Chegamos em Osorno e compramos passagens direto para Valparaíso, pois resolvemos que iríamos pedalar ao longo das praias chilenas, onde, depois descobrimos a água do mar é gelada e a cerveja é morna. Mas chegando a Valparaíso descobrimos que a caixa de papelão com nossos bancos e canotes tinha ficado no ônibus que nos deixou em Osorno. Depois conseguimos encontra-los, um dia antes de voltarmos para o Brasil, já em Santiago. Com isso nossa viagem de cicloturismo virou uma viagem gastronômica, que depois eu conto em outra postagem. Acabava nossa aventura pela Carretera Austral.

Os Viajantes:

Daniel Romero
Flávio Vianna
Larissa Lima
Rodrigo Bulhões

Ortlieb – endereços de lojas em Santiago:
http://www.ortlieb.de/b-internat2.php?lang=en&ctr=rch

Ortlieb – pedidos por internet
http://www.ortlieb.de/b-internat2.php?lang=en&ctr=other

Ônibus Cruz del Sur
http://www.pullmansur.cl

Terminal de Ônibus Los Heroes
http://terminaldebuseslosheroes.cl

Navimag
http://www.navimag.com

XI Región Aysén de General Ibañez del Campo
http://www.goreaysen.cl

Puerto Aysén
http://www.puertoaysen.cl

Coyhaique
http://www.coyhaique.cl

Kooch Hostel
http://www.koochhostel.com

Ricer Café
http://www.ricer.xteam.cl

Conaf – Corporación Nacional de Florestas
http://www.conaf.cl

Cervejaria D’Olbek
http://dolbek.cl

Municipalidade de Rio Ibañez (Villa Cerro Castillo, Bahía Murta e Puerto Tranquilo)
http://www.rioibanez.cl

Municipalidade de Chile Chico (Puerto Bertrand)
http://www.chilechico.cl

Comuna de Cochrane
http://www.cochranepatagonia.cl

Parte da página do Thomas dedicada à Carretera Austral
http://www.crazyguyonabike.com/doc/page/?o=RrzKj&page_id=137573&v=I4